Ela insere o cartão no caixa eletrônico, sem conferir o saldo, digita o valor necessário e reza para que o dinheiro saia. Enquanto isso, o coração dispara, a pulsação aumenta. O dinheiro sai. Como quem nada sem dar pé, tira a cabeça fora d’água e respira aliviada. "Ainda tenho saldo, mas será que já estou usando o limite", pensa.
Há meses não tem coragem de olhar o extrato. Sabe que está no vermelho, mas algo lhe diz que logo tudo vai se resolver, vai receber suas RPV’s e vai quitar suas dívidas. Ela também tem precatórios para receber, cerca de R$ 300 mil que mudariam sua vida. Pagaria seus empréstimos, o rotativo do cartão, arrumaria sua casa infestada de cupins e seus dentes. Já parcelou a dívida do IPTU, mas não tem conseguido pagar em dia. Nunca foi de desperdiçar dinheiro. O que teria acontecido? Não se dá conta que seus ditos "aumentos" nunca acompanharam a inflação. Que R$ 10 no ano de 2000 rendiam-lhe 10 quilos de frango e hoje, com os mesmos R$ 10, ela compra apenas dois quilos de frango. O mesmo aconteceu com o pretinho básico, o feijão. O quilo, que custava R$ 1, hoje rasga o orçamento doméstico custando R$ 5.
Esta mulher, nada imaginária, ganha fama de gastadora e caloteira. Isso mesmo, caloteira. Seu desequilíbrio financeiro começou lá no ano de 2000, quando o governador resolveu cortar a integralidade, conquistada na justiça com muita luta, apropriando-se da metade de sua pensão. Entrou no cheque especial para honrar seus compromissos e teve que fazer empréstimo para quitar a dívida. Novamente teve que recorrer ao assoberbado judiciário para recuperar seu direito. Hoje, o Estado lhe deve cerca de R$ 300 mil entre precatórios e RPV’s da Lei Britto e ela que é a caloteira. Realmente, esta é uma palavra vulgar, mas que tipo de expressão este monumental desrespeito com os direitos dos cidadãos pode despertar?
Ontem, nossa amiga recebeu mais um telefonema de um escritório de advocacia, querendo comprar seu precatório por 10% do valor, dizendo que eles nunca serão pagos. Ao deitar-se à noite para dormir, ela liga o rádio para se distrair e ouve que o Governo quer transformar sua requisição de pequeno valor em precatório. Nesta noite ela não dorme e o remédio da pressão parece não fazer efeito. “A culpa é dos servidores que criaram a indústria das ações contra o estado”, diz o Secretário da Fazenda gaúcha. Não foi delírio, ela ouviu mesmo isso. Acorda e vai ao caixa eletrônico pagar a conta da luz atrasada há mais de um mês. Insere o cartão, digita a senha e... SALDO INSUFICIENTE, diz a máquina. Trêmula, ela puxa o crédito 1 minuto e saca os últimos reais disponíveis e se pergunta:
- Até quando?
Até quando seremos credores de governos caloteiros, mal-intencionados e irresponsáveis? O copo está cheio. Que não me venham chorando desculpas, querendo ganhar “o bocado de mel”.
Este é o meu grito: não contem com meu voto!
